Especialistas defendem que o atual modelo é insustentável e apontam a tarifa de água e esgoto como ferramenta central e estratégia para viabilizar investimentos para preservação de mananciais. Revisão tarifária da Sabesp atualmente em curso é oportunidade para São Paulo.

Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 2021 - A recuperação e conservação de mananciais utilizados na captação de água são ações fundamentais e urgentes para garantir segurança hídrica para os grandes centros urbanos brasileiros. O melhor caminho para viabilizar e direcionar investimentos para isso é por meio da tarifa. Esta foi a principal conclusão de especialistas no tema participantes da 1ᵃ Roda de Conversa com Jornalistas, realizada nesta quarta-feira (24), pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), com o apoio da The Nature Conservancy (TNC). O evento foi mediado pelo jornalista Agostinho Vieira, criador do Projeto #Colabora.

"É essencial e estratégico para o Brasil estruturar um programa de proteção de áreas de mananciais por diversas razões, mas principalmente porque os mananciais são ‘matéria-prima’ do abastecimento público, essenciais à qualidade de vida e às atividades econômicas", disse João Paulo Capobianco, vice-presidente do IDS. "Nesse contexto, a tarifa é uma ferramenta central e estratégica. Mais do que um mero instrumento de cobrança, a tarifa de água e esgoto pode viabilizar investimentos para preservação de mananciais e manutenção do sistema", destacou Capobianco, apontando a região metropolitana de São Paulo como um caso exemplar das consequências do atual modelo, considerado insustentável.

"Os rios que cortam a cidade - como o Tietê e Pinheiros - estão completamente contaminados, assim como a enorme rede formada por seus afluentes. O mesmo ocorre com a maior parte da maior represa da cidade, a Billings", explicou o vice-presidente do IDS. Para agravar o problema, o Sistema Cantareira e as vastas áreas de mananciais que envolvem toda a metrópole estão sendo drasticamente degradadas pela ocupação desordenada, o que reduz a capacidade natural de produção de água e contamina aquela água produzida que chega aos reservatórios.

Representante no Brasil do 2030 Water Resources Group, iniciativa da International Finance Corporation (IFC) - instituição de fomento do Banco Mundial voltada para programas relacionados à água -, Stela Goldenstein disse que o modelo atual não funciona. "Temos vastas áreas e não está claro a quem compete a proteção. Não está claro como valorar a proteção e financiar as ações que são necessárias", afirmou a executiva em sua apresentação, destacando que é preciso ir além da proteção. "Não basta apenas proteger, vamos precisar recuperar também", completou.

"De fato, o modelo atual - de degradação dos mananciais - não funciona porque não tem o cuidado antes da captação e ao mesmo tempo no processo final", acrescentou Samuel Barreto, gerente nacional de Água da The Nature Conservancy Brasil (TNC), observando que hoje no Brasil pelo menos 100 milhões de pessoas que não têm acesso à coleta e ao tratamento de esgoto, o que compromete a qualidade e quantidade de água e a saúde das pessoas, além dos cofres públicos porque temos que pagar por isso. Segundo ele, levantamento da TNC realizado em 4 mil médias e grandes cidades no mundo mostrou que apenas 1% de todo o orçamento investido no setor de saneamento é alocado em soluções baseadas na natureza, que podem ajudar a criar resiliência climática, melhorar as fontes de água e proteger o restante de floresta que temos. "Só o Sistema Cantareira já perdeu 70% de cobertura floresta", afirmou Barreto.

A tarifa como instrumento de financiamento

O gerente de Regulação Econômica da Agência de Regulação de Serviços Públicos de Santa Catarina (Aresc), Silvio César dos Santos Rosa, apresentou o dispositivo tarifário criado pela Emasa (Empresa Municipal de Água e Saneamento), em 2013, na cidade de Balneário Camboriú para financiamento de recuperação de mananciais no Rio Camboriú. "Ao incorporar o custo de conservação do manancial à tarifa de água, leva-se a responsabilidade pela garantia do abastecimento diretamente ao cidadão urbano, que é o beneficiário final do recurso hídrico", disse Santos Rosa. "O cidadão contribui com centavos e faz parte de um projeto de manutenção desse ativo verde", completou.

O projeto Produtor de Água do Rio Camboriú, realizado em parceria com a TNC, registrou em dezembro passado 1.130 hectares em conservação, 70 hectares de área em restauração, 70 quilômetros de trechos de rios e 172 nascentes protegidas. Para Guilherme Checco, coordenador de Pesquisa do IDS, a experiência de Balneário Camboriú é um exemplo de que a inclusão de ações de proteção dos mananciais de abastecimento no cálculo da tarifa de água é um avanço importante para a construção de um novo modelo de gestão hídrica.

"O que é importante observar é que não é um processo de uma via só. Tem condicionantes como transparência, definição de prioridades e escopo de investimentos. Não estamos falando de simplesmente plantar árvores, mas de uma estratégia que envolve uma gama de ações, como incentivos à transição para modelos mais sustentáveis de produção agrícola", explicou Checco, destacando que há uma oportunidade hoje em São Paulo com a revisão tarifária da Sabesp.

Especialista em recursos hídricos da TNC, Claudio Klemz, alertou que não existe uma solução única. "Essa solução não se aplica a todas as situações. Uma a cada quatro grandes cidades tem esse potencial. Isso depende de uma análise técnica prévia, seguida de análise de viabilidade econômica e financeira. Mas o campo de discussão não precisa ficar fechado sobre se é possível ser viável economicamente ou não. Estamos falando de qualidade de vida para todos, para a população. Populações mais vulneráveis. Isso implica em uma relação de longo prazo", concluiu.

Perguntas frequentes

Com o objetivo de divulgar informações relacionadas ao tema para os jornalistas, o IDS preparou o documento "Mananciais e Tarifas: 6 questões essenciais", que pode ser baixado aqui .

As informações contidas no documento se baseiam em estudos do IDS e da TNC, que reforçam o papel das tarifas cobradas pelas prestadoras de serviço nos investimentos a serem feitos em um novo e necessário modelo de gestão hídrica.