Válter Suman, médico gastroenterologista e prefeito de Guarujá

 

Quando nos idos da década de 1960 o garoto Válter queria uma roupa ou um brinquedo mais sofisticado "que todo mundo tinha", ouvia logo do pai, o humilde sapateiro Nelson Suman, que ele não era "todo mundo". À sua maneira, meu pai queria ensinar, logo cedo, que era preciso ter bom senso, olhar ao redor e compreender que nem tudo que eu almejava ter estava ao alcance do que ele, mesmo trabalhando exaustivamente, podia proporcionar a mim e aos meus irmãos.

Mais de 50 anos depois e diante da maior crise de saúde pública em um século, os ensinamentos do velho sapateiro estão mais atuais do que nunca. O Brasil, além de uma crise de representatividade, vive uma grave crise de total falta de bom senso.

Os países latino-americanos tiveram a chance de assistir com antecedência a eclosão da pandemia do novo coronavírus causar estragos apavorantes e irreparáveis na Europa, já na virada de 2019 para 2020. Enquanto no Brasil ainda havia, àquela altura, os que duvidavam que a covid-19 chegaria aos trópicos, os noticiários do Velho Mundo já mostravam as carreatas de carros fúnebres e os horripilantes relatos de idosos com mais de 80 anos largados para morrer à própria sorte, numa funesta seleção artificial por absoluto colapso na capacidade de atendimento intensivo nos leitos hospitalares.

De nada adiantou. Faltou bom senso. Hoje, pouco mais de um ano depois, o país mais populoso da América Latina é lamentavelmente enxergado como um ponto fora da curva, uma ameaça sanitária, aos olhos da comunidade internacional. No Brasil, dedica-se muito mais tempo à discussão da retórica dos líderes políticos e da capacidade das forças públicas na repressão aos abusos cometidos na pandemia do que à prática, de fato, de atitudes individuais para impedir o avanço da doença que deve matar até três mil brasileiros por dia até o final de março, conforme projeção do Ministério da Saúde.

Nenhum governante, em qualquer lugar do planeta, tem prazer em fechar cidades ou impedir a abertura de portas de comércios e empresas, muito menos assistir à corrosão diária de postos de trabalho.

O mais doloroso, porém, é constatar que nem mesmo um cenário devastador como este é capaz de frear as irresponsáveis festas clandestinas ou ‘pistões’ na calada da noite, em praticamente todas as cidades, sejam elas de pequeno, médio ou grande porte. Chegamos ao cúmulo de descobrir um cidadão infectado que desfilava pelas ruas gaúchas a cuspir nas mãos e esfregá-las nas maçanetas dos veículos. A troco de quê se tomam atitudes como essas?

Vivemos num país onde, lamentavelmente, redes sociais são a principal, senão a única fonte de informação de muita gente. Onde se prefere questionar a origem ou até mesmo a necessidade de vacinas em vez de adotar, impreterivelmente, atitudes básicas e comprovadamente eficazes como o uso de máscara facial ou o distanciamento social.

O combate ao coronavírus é responsabilidade de todos. Sem exceção! Não se deve delegar apenas ao poder público obrigações que cabem a cada um enquanto indivíduo. Enquanto testar limites para satisfazer os próprios prazeres e discutir tons de discursos políticos for mais recorrente do que arregaçar as mangas e agir com coerência, muitas vidas ainda serão perdidas entre os conflitantes ecos nos corredores dessa imensa Torre de Babel.

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