Lembro do final da década de 1970/1980, ainda sob as botas militares, quando as bancas de jornais vendiam revistas mais ousadas, com belas moças na capa e publicações políticas independentes, como os jornais “O Pasquim”, “Hora do Povo, “Em Tempo” e outros. Não demorou muito para que fossem alvo de bombas incendiárias jogadas durante a madrugada. Diziam ser a mando do CCC (não confundam) – Comando de Caça aos Comunistas. Vivíamos tempos de “Guerra Fria”, uma luta ideológica e geopolítica pela influência mundial, travada entre os Estados Unidos e  a União Soviética (interessante notar que ambas as potências têm ou tinham a palavra “unidade” presente em seus nomes). Cada uma das nações lutando pela supremacia de suas ideologias políticas e econômicas.

Em terras tupiniquins, a luta era por democracia, liberdade individual e de imprensa; por direito ao pensamento independente e à opinião. Isso significa dizer que a luta maior era por independência nacional. Um dos países, se não o mais, com maior riqueza natural e diversidade cultural, não poderia continuar entregando-as aos estrangeiros. Era essa, e continua sendo, a afirmação dos que se colocavam contra o poder político e econômico no Brasil. Neste contexto, que se acirra na verdade desde a década de 1960, é que se rotula como comunista todos os que eram e são contra essa hegemonia entreguista.

Sempre fomos um país subjugado. Portugueses, ingleses (até holandeses e franceses) e americanos, sempre fizeram, e continuam a fazer a festa por aqui. Ouro, diamante, café, cana de açúcar, madeira; hoje soja, minério de ferro e petróleo são levados embora na bandeja. Quem lutou e continua a lutar contra essa bárbara entrega passou a ser chamado de comunista, uma pecha, e não opção ideológica, pois era sinônimo de "comedor de criancinhas", um verdadeiro xingamento.

Em 1964, foi a “Marcha com Deus pela Liberdade” em resposta às Reformas de Base do Presidente João Goulart. Tais reformas não passavam de transformações necessárias para que o país se tornasse independente economicamente e desse a oportunidade ao povo ter uma vida digna. Dividir o pão, significa dividir a terra de um país de dimensões continentais em que pouco mais de 80% das propriedades só representam 12,8% do total da área produtiva do país, enquanto 0,04% das propriedades são as responsáveis por 14,8% da área produtiva do campo brasileiro. Uma tremenda concentração de terra nas mãos de muito poucos, a maioria empresas S.A. E quem são os controladores dessas empresas? Certamente não é o “seu” Joaquim da quitanda. Portanto, uma reforma agrária necessária, exigida, mas nunca realizada. Coisa de comunista, insistiam em dizer!

Mas afinal, o que é o comunismo? O que significa ser comunista para que alguns tratem desse tema como se fosse uma doença altamente infecciosa?
Comunismo é uma ideia. E como costuma dizer o ex-ministro Ciro Gomes, a ideia não “pega”. O que “pega” é catapora, e, como ideia, está pautado em princípios políticos e econômicos que precisam ser entendidos. Caso contrário não podemos discordar ou concordar. Esses princípios foram basicamente formulados por Karl Marx e Friedrich Engels, que estão fundamentados na construção de uma sociedade sem divisão de classes, sem a existência de um Estado nacional, cuja economia consistiria na coletivização dos meios de produção e a abolição da propriedade privada; e, politicamente, sob a máxima de “cada qual segundo as suas capacidades, a cada qual segundo as suas necessidades”, e, assim, considerado a etapa final do socialismo. Uma teoria extremamente complexa que exige conhecimento de filosofia, ciências políticas e econômicas e, até de antropologia; e, portanto, muito tempo de leitura e estudos. Como a medicina sempre me exigiu muito estudo, confesso o meu semianalfabetismo na área e posso dizer que não conheço comunista de goela.

Mas esses dias assisti a um vídeo que reportava uma  pequena manifestação contra a corrupção e por intervenção militar e outros que tais, todos vestidos com a camisa da seleção brasileira; sinônimo de administração ilibada, deveriam estar convictos. Uma senhora loira chamava um jovem de comunista. "Saia daqui, você é um comunista", dizia ela com o dedo indicador em riste, ruborizada de ódio. O rapazinho só não vestia verde e amarelo, que aliás, mais do que representar nossas florestas e nosso ouro, são, o verde, representação da Casa de Bragança e, consequentemente, da família de Dom Pedro I; e, o amarelo, representação da Dinastia Habsburgo-Lorena, também conhecida como Casa da Áustria, de Dona Leopoldina, esposa do imperador. Mas voltando à cena, o tal acusado estava de camiseta preta! Suficiente para ser considerado "comedor de criancinha".

Enfim, achei uma monarca e um comunista! Melhor que ser cego.


Marcio Aurelio Soares é médico especialista em clínica médica, medicina do trabalho e saúde pública com 36 anos de profissão e autor de três livros.