Prof. Dr. Rodrigo Fernandes

 

 

Era por volta das 15:00hs do dia 05 de novembro de 2015, quando o município de Mariana-MG se apresentou como sítio de um grande desastre sociotécnico que viria a trazer consequências ambientais de tal monta que o elevaria ao patamar de um dos maiores da história da humanidade.

A dimensão da tragédia em números permanece controversa, mas o rompimento da Barragem de Fundão teria despejado aproximadamente 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração sobre toda a bacia do Rio Doce, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, resultando em 19 mortes, 39 municípios diretamente afetados, o desaparecimento do distrito de Bento Rodrigues, além de afetar direta ou indiretamente outras tantas comunidades, dentre indígenas e quilombolas, ao longo da bacia do Rio Doce até sua foz no oceano Atlântico. A extensão dos danos ambientais permanece imensurável. Dados periciais se controvertem e com eles o mapeamento e identificação da população afetada.

A tese de doutorado de minha autoria, concluída em 2020, evidenciou que no caso de Mariana os sistemas estatais de controle e fiscalização reagiram com diversas e milionárias sanções impostas às mineradoras Samarco e suas controladoras Vale e BHP Billiton. Na via judicial, outras milhares de ações individuais e coletivas foram ajuizadas perante diversos juízos estaduais e federais e, com elas, uma coletividade que aceitou parcos valores indenizatórios. De outro lado, uma população que ainda aguarda solução para suas demandas sem horizonte.

Numa tentativa de uma solução consensual e coletiva, foram costurados acordos que, restritos à participação de instituições governamentais e empresariais, contribuíram para elevar a desconfiança das maiores interessadas que são as vítimas do derramamento da lama.      

Na esteira desses acordos, a Fundação Renova foi criada para centralizar a governança das reparações, porém, a ausência de um modelo de legítima representatividade abriu espaços para imperfeições que resultaram numa atuação judicial controversa.

Após 06 anos da tragédia, a descoordenação das instituições do Estado e a ausência de um sistema processual mais eficiente, ainda contribuem para a impunidade e ineficiência das ações de reparação. Enquanto eclodem manifestos e impugnações, até mesmo questionando a imparcialidade do juiz, as vítimas aguardam miseráveis, invisíveis e silenciadas.

De lá para cá, pouco se aprendeu sobre o modelo minerário e ambiental brasileiro. Sobreveio a tragédia humana de Brumadinho e não se aprovou um marco legal da mineração, remanescendo modelos tecnológicos perigosos e ultrapassados que se tornam ameaça ainda maior diante do desmonte dos órgãos de fiscalização. 

Não restaram alternativas a tantos outros 400.000 que atualmente esperam da Corte Superior de Justiça do Reino Unido um veredicto mais efetivo, tendo em vista a origem Anglo-Australiana da acionista BHP. Após um revés inicial de inadmissibilidade, a ação coletiva internacional obteve uma recente vitória, neste ano de 2021 pelo Tribunal de Apelação, com a admissão da ação em grau de recurso. Reacendidas as esperanças no foro Inglês.

São cenas dos próximos capítulos de uma história dramática e aparentemente sem fim para tantas pessoas que perderam bens e vidas em razão da necessidade mercantil, porém inconsequente, de acelerada extração das commodities sem observância da imprescindível segurança ambiental.

 

Rodrigo Fernandes é Doutor em Ambiente e Sociedade pelo IFCH/NEPAM/UNICAMP, autor da tese “Evidência técnica e expertise ambiental nas arenas jurídicas: O caso do rompimento da barragem de Fundão em Mariana-MG”, defendida em 2020. Coordenador do Curso de Direito da UNAERP Guarujá