Por Gustavo Zanaroli e Luiz Linna, g1 Santos
Ex-governador de SP Márcio França — Foto: Fernanda Luz/Divulgação
A Polícia Civil interceptou ligações do médico Cláudio Luiz França Gomes, irmão do ex-governador de São Paulo Márcio França (PSB), com outro profissional ligado às organizações sociais (OSs) investigadas na Operação Raio-x. Em uma das conversas, o médico Franklin Cangussu Sampaio se mostra interessado no contrato firmado com o Ambulatório Médico de Especialidades (AME) de Santos, no litoral paulista, no bairro Aparecida.
A ação, deflagrada na quarta-feira (5) em 17 cidades do estado, investiga uma organização criminosa suspeita de desviar aproximadamente de R$ 500 mil da área da Saúde. Nela, as autoridades apuram crimes de formação de quadrilha, peculato e lavagem de dinheiro. Além dos dois médicos, Márcio França também está entre os alvos.
Durante as investigações, as autoridades encontraram as ligações telefônicas que envolvem o irmão do ex-governador e Franklin, apontado pela polícia como responsável por desvios de valores por meio de suas empresas. Em um dos telefonemas, Sampaio pergunta a Cláudio se ele conhece o responsável pelo Departamento Regional de Saúde da Baixada Santista (DRS-4), da Secretaria Estadual de Saúde.
"Lembrei de uma coisa, cara, e que talvez seja um marco aí pra gente. Segura pelo menos Santos, entendeu? É a DRS de Santos, sabe? Lembrei de você, se conhece quem é o DRS de Santos, se é alguém ligado à gente. Se não for, aí, vamos deixar na mão de Deus, ver o que ele acha, se sobra alguma coisinha", diz Sampaio.
Cláudio responde: "quem é diretor da DRS aqui é a Paula Covas, e pelo sobrenome, você já vê que não alinha muito", conforme apontam documentos obtidos pela TV Tribuna, afiliada da Rede Globo.
A partir dessa investigação, no interior do estado, a Polícia Civil em Santos abriu um inquérito, para apurar o possível envolvimento de Márcio França. A Divisão de Investigações Criminais (Deic) encontrou uma possível relação do ex-governador com os desvios, em contratos do período em que França governou o estado, entre abril e dezembro de 2018, substituindo Geraldo Alckmin, que deixou o cargo para disputar as eleições presidenciais.
Investigação
De acordo com as investigações, o ex-governador é suspeito de possível envolvimento com o médico Cleudson Garcia Montali, líder da organização criminosa investigada, e que foi condenado a 104 anos de prisão. Segundo a polícia, quando França chefiou o estado, a OS Irmandade da Santa Casa de Pacaembu firmou contratos para administrar o AME, o Polo de Atenção Intensiva em Saúde Mental (PAI) e o Centro de Medicina e Reabilitação Lucy Montoro, todos em Santos.
A polícia também apurou que, nesse período, Cleudson foi reconduzido ao cargo de diretor regional de Saúde na cidade de Araçatuba, cargo do qual ele havia sido demitido. Ainda de acordo com a apuração, França teria recebido doações financeiras de Cleudson para a campanha eleitoral em que concorria ao Governo de São Paulo.
"Verificou-se, ainda, que a organização criminosa também financiaria a campanha eleitoral de Márcio França à Prefeitura de São Paulo no ano de 2020, fatos estes que demonstram possível envolvimento de Márcio França com a organização criminosa", diz o relatório.
Nessa nova fase da operação, os policiais cumpriram 34 mandados de busca e apreensão em 17 cidades nas regiões de Araçatuba, Bauru, Baixada Santista, Campinas, capital paulista e Presidente Prudente. Entre eles, estão endereços ligados ao ex-governador em São Vicente, na Baixada Santista, e na Vila Mariana, na Zona Sul de São Paulo.
Durante coletiva de imprensa concedida em Santos, na tarde desta quarta, a Polícia Civil informou que foram apreendidos R$ 13 mil em dinheiro, três veículos e sete armas de fogo, com e sem documentação.
Em nota, a Polícia Civil de São Paulo afirmou que é "uma instituição de estado, e não de governo, que completou há duas semanas 116 anos atuando sob o rigor da lei. No estado democrático de direito, a polícia investiga e apresenta provas à Justiça, que analisa e autoriza a realização de operações. A atuação da Polícia Civil de São Paulo é pautada na defesa da segurança pública, independentemente de prerrogativa de cargo ou grau de parentesco de investigados", disse a Secretaria de Segurança Pública (SSP) em nota.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública, "as investigações tramitam sob segredo de Justiça, e mais detalhes serão preservados para garantir a autonomia do trabalho policial".
Em nota conjunta, advogados de França e juristas informaram que "medidas de investigação que possam violar direitos fundamentais como a intimidade e a proteção ao domicílio, como essa que envolve o governador Márcio França, são sempre excepcionais e só se justificam quando há fatos atuais e robustos que demonstrem a necessidade de flexibilização desses direitos constitucionais" (leia a íntegra abaixo).
Veja reportagem do Fantástico que explica a operação Raio-X e quem é Cleudson Garcia:
O que diz Márcio França
"Começaram as eleições 2022. 1ª Operação Política.
Não há outro nome para uma trapalhada, por falsas alegações, que determinadas “autoridades”, com “medo de perder as eleições”, tenham produzido os fatos ocorridos nesta manhã em minha casa.
Toda operação policial tem nome!
Essa é uma operação política e não policial.
Ela é, evidentemente, de cunho político eleitoral.
Não tenho ou tive qualquer relação comercial ou advocatícia com as pessoas jurídicas e físicas que são alvo da investigação.
É lamentável que se comece uma eleição para o Governo de SP com estas cenas de abuso de poder político.
Já venho há tempos alertando que um grupo criminoso em SP tenta me impedir de expressar a verdade. Sabem que não compactuo com eles, que querem tomar conta do Estado de SP. Se depender de mim, não vão conseguir.
Eu não sou alvo de nenhuma operação, pois sou advogado particular, não tenho relações nem vínculo com serviços públicos. Não tenho relação com a área médica ou de saúde.
Tenho 40 anos de vida pública, não respondo a nenhum processo criminal.
Só deixarei de ser governador de SP se o povo paulista não quiser.
Não tenho medo de ameaças ou de chantagem. Em 40 anos de vida pública, já fui muitas vezes difamado e injustiçado, nunca condenado.
Aliás, já enfrentei adversários muito mais qualificados. Não vão ser os meus atuais concorrentes, notórios mentirosos, que me farão recuar".
O que dizem os advogados
"Começaram as eleições.
Medidas de investigação que possam violar direitos fundamentais como a intimidade e a proteção ao domicílio, como essa que envolve o Gov. Márcio França, são sempre excepcionais e só se justificam quando há fatos atuais e robustos que demonstrem a necessidade de flexibilização desses direitos constitucionais.
A ausência de quaisquer elementos recentes para a decretação de uma busca e apreensão configura flagrante ilegalidade.
A operação policial ostenta clara natureza eleitoral e configura abuso do poder político sendo certo que, no momento oportuno, os responsáveis serão devidamente interpelados.
O Brasil já enfrentou diversos abusos do tipo nos últimos anos, os quais foram posteriormente anulados pelo Poder Judiciário. Espera-se que neste caso não seja diferente.
ALBERTO ZACHARIAS TORON, ALESSANDRA CAMARANO, ANDERSON POMINI, ANGELITA DA ROSA, ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA E CASTRO ( KAKAY), AUGUSTO DE ARRUDA BOTELHO, BRUNO SALLES RIBEIRO, CAROL PRONER, CÉSAR PIMENTEL, CONRADO GONTIJO, FABIANO SILVA DOS SANTOS, GABRIELA ARAÚJO, GISELE CITTADINO, HÉLIO SILVEIRA, JADER MARQUÊS, JORGE ANTONIO MAURIQUE, JOSÉ AUGUSTO RODRIGO JÚNIOR, JOSÉ GERALDO DE SOUSA JUNIOR, LARISSA RAMINA, LENIO LUIZ STRECK, LUÍS GUILHERME VIEIRA, MAGDA BIAVASCHI, MARCO AURÉLIO DE CARVALHO, MAURÍCIO VASCONCELOS/BA, MICHEL SALIBA, PRISCILA PAMELA C. SANTOS, RAFAEL FAVETTI, REINALDO SANTOS DE ALMEIDA, ROBERTO TARDELLI, THIAGO TOMMASI, TIAGO BOTELHO, WEIDA ZANCANER".