Delegado vê indícios de corrupção passiva e lavagem de dinheiro
Cláudio Humberto
  | Atualizado 

José Yunes e o amigo Michel Temer são personagens centrais na denúncia da PF. (Foto: Z. Fraissat/Folhapress)

A Polícia Federal concluiu inquérito sobre supostos repasses ilícitos da Odebrecht ao MDB e afirma que o presidente Michel Temer recebeu da empreiteira propinas de ao menos R$ 1,43 milhão por meio de intermediários.
Em relatório sobre o caso, o delegado Thiago Machado Delabary sustenta que há indícios de que o emedebista praticou os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A PF diz ainda que Temer é o “possível destinatário” de R$ 1 milhão recebido da Odebrecht pelo advogado José Yunes, amigo e ex-assessor de Temer, em seu escritório em São Paulo.
Os investigadores sustentam, com base no relato de delatores e de provas colhidas na investigação, que Temer obteve em março de 2014, quando ainda era vice-presidente, em razão da função que exercia, dois pagamentos de R$ 500 mil cada e um terceiro, de R$ 438 mil, da Odebrecht.
Os recursos teriam sido solicitados a executivos da empreiteira pelo agora ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, e entregues ao coronel João Batista Lima Filho, amigo do presidente.
Aos dois supostos intermediários do presidente, a PF imputa os delitos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O relatório descreve, como elementos que corroboram os depoimentos de colaboradores, diálogos entre o coronel Lima e funcionários de uma empresa responsável por entregas de dinheiro para a Odebrecht. Nessas conversas, eles acertam os horários de encontros.
Numa das datas acertadas, houve três ligações de Lima para Temer.
“A eloquência dos indícios acima colacionados torna impositiva a conclusão de que Lima Filho, no interesse do excelentíssimo presidente da República, Michel Temer, recebeu os valores encaminhados pela Odebrecht”, afirma o delegado.
O relatório dele foi enviado nesta quarta (5) ao STF (Supremo Tribunal Federal). Com base nas provas apresentadas, a PGR (Procuradoria-Geral da República) decidirá se denuncia o emedebista pela terceira vez.
O inquérito sobre o caso foi aberto após delatores da Odebrecht relatarem que, num jantar no Palácio do Jaburu, em maio de 2014, acertaram com Temer e aliados, entre eles o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, o repasse de R$ 10 milhões em recursos ilícitos para campanhas.
Desse total, R$ 6 milhões teriam como destinatário o candidato do MDB ao governo de São Paulo, Paulo Skaf. O restante seria repartido por outros integrantes do partido.
Além de Temer, a PF viu elementos de que Moreira, na época chefe da Secretaria de Aviação Civil, e Padilha foram corrompidos. Os investigadores alegam que o ministro de Minas e Energia solicitou R$ 4 milhões da Odebrecht, “valores que, conforme demonstrado, foram encaminhados a autoridades que compunham o mesmo grupo político”. Ao chefe da Casa Civil, atribuem o recebimento de R$ 3,6 milhões e a prática de lavar esses recursos.
Os investigadores apontam que, em troca dos pagamentos, a Odebrecht obteve contrapartidas das autoridades, como a concessão do Aeroporto do Galeão, no Rio.
O relatório também implica outros investigados, como Skaf, por prática de caixa dois eleitoral. A PF sustenta que ele recebeu R$ 5,1 milhões, por meio do marqueteiro Duda Mendonça, em recursos não contabilizados.
Ao todo, a PF atribui crimes a 14 pessoas, entre políticos, seus intermediários e delatores da Odebrecht.
O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), atualmente preso pela Lava Jato, foi implicado por corrupção passiva. Ele teria sido o destinatário final de R$ 500 mil da empreiteira.
“As informações até aqui expostas delineiam um quadro aparente de corrupção passiva em que agentes públicos, em episódios inerentes ao exercício das funções e no curso de importante ação estratégica governamental, pleiteiam vantagens a empresários, a pretexto de financiamento de campanhas eleitorais, cujo atendimento veio a se materializar em circunstâncias claramente ilícitas, com o manuseio de altas cifras em espécie, à revelia do sistema financeiro oficial e com o uso de estruturas especificamente voltadas à prática de ilícitos”, escreveu o delegado.
Ele considerou ser de menor relevância se os recursos foram ou não empregados em campanhas. “Fato é que, quando o dinheiro ingressa na esfera de disponibilidade do agente político, desfaz-se qualquer controle sobre a sua real aplicação, aspecto que se torna um atrativo.”
O delegado foi elogiado internamente na PF pela forma “discreta e eficaz” com que encerrou a apuração. Temer é alvo de outro inquérito, que investiga suposta corrupção em troca de favorecimento a empresas portuárias, que vem sendo prorrogado.
Em nota, o Palácio do Planalto afirmou que a conclusão do inquérito pela PF “é um atentado à lógica e à cronologia dos fatos”. “Jantar ocorrido no final de maio, segundo os próprios delatores, tratou de pedido de apoio formal para campanhas eleitorais, o que ocorreu realmente dentro de todos ditames legais. Todos os registros foram feitos em contas do MDB e declarados ao TSE [Tribunal Superior Eleitoral]. Agora, sem conseguir comprovar irregularidades nas doações, o delegado aponta supostos pagamentos ocorridos em março como prova dos crimes, ou seja, dois meses antes do jantar”, argumentou.
O Planalto acrescentou que a investigação “se mostra a mais absoluta perseguição ao presidente, ofendendo os princípios mais elementares da conexão entre causa e efeito”.
O advogado de Eliseu Padilha, Daniel Gerber, informou que não comentaria o relatório. “Se for o caso, [Padilha] se manifestará apenas nos autos.”
O ministro Moreira Franco disse, por meio de sua assessoria: “Não participei da reunião no Palácio do Jaburu. Não solicitei absolutamente nada a executivos dessa empresa [Odebrecht] nem de nenhuma outra. A Odebrecht arrematou a concessão do Galeão por R$ 19,3 bilhões e não por atendimento de interesses. As conclusões da autoridade policial se baseiam em investigação marcada pela inconsistência”.
A advogada do coronel Lima, Aline Batista Duarte, disse que desconhece o teor do relatório. Reafirmou “inexistirem a prática ou a participação de seu cliente em conduta ilícita e o cometimento de qualquer irregularidade”.
A assessoria de Skaf sustentou que todas as doações recebidas pela campanha dele ao governo de São Paulo em 2014 estão devidamente registradas na Justiça Eleitoral, q”ue aprovou sua prestação de contas sem qualquer reparo de mérito”.
A assessoria do candidato reiterou que ele “nunca pediu e nem autorizou ninguém a pedir qualquer contribuição de campanha que não as regularmente declaradas”.
O advogado Délio Lins e Silva, que defende Cunha, disse por meio de nota que “o relatório é absurdo e teratológico”. “Pinça Eduardo Cunha – que até o momento sequer era investigado nesse inquérito – para um suposta trama, sem nenhum indício. No próprio relatório, constam menções a supostas mensagens que demonstram que Eduardo Cunha estava totalmente fora de qualquer atuação em favor da Odebrecht”, afirmou.
A reportagem não conseguiu contato com a defesa de José Yunes. (Folhapress)

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