Interceptações telefônicas que motivaram a deflagração sétima fase da Operação Calvário, “Juízo Final”, mostram o ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), discutindo valores de supostas propinas com Daniel Gomes da Silva, operador das Organizações Sociais (OSs) Cruz Vermelha do Brasil (CVB) e Instituto de Psicologia Clínica Educacional e Profissional (Ipcep), que geriam hospitais no estado. Coutinho foi um dos alvos dos 17 mandados de prisão expedidos pela Justiça.

Ao todo, a operação apura desvio de recursos públicos na ordem de R$ 134,2 milhões, dos quais mais de R$ 120 milhões teriam sido destinados a agentes políticos e às campanhas eleitorais de 2010, 2014 e 2018.

Reportagem do G1 divulgou trechos das gravações realizadas pelo Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado da Paraíba (MPPB) citados na decisão do desembargador Ricardo Vital de Almeida.

Os áudios mostram que Coutinho pergunta a Daniel Gomes da Silva se os repasses estão sendo feitos conforme o acordado.

Segundo a investigação, o dinheiro repassado pelas OSs ligadas a Daniel Gomes da Silva eram geridos pela ex-secretária de administração, Livânia Farias, presa na terceira etapa da operação Calvário. O MP identificou que a suposta propina começou a ser repassada pela Cruz Vermelha desde 2010, e foi usada em campanhas eleitorais do ex-governador e de seus aliados.

O MP apurou ainda que licitações eram direcionadas pelos ex-secretários Livânia Farias e Waldson de Sousa, para as Organizações Sociais. E as delações premiadas de Daniel Gomes e Livânia Farias citam valores do primeiro repasse sido feito em 2010, no valor de R$ 200 mil para Livânia Farias; mais um segundo no valor de R$ 300 mil com doação oficial de campanha feita por parentes de Daniel Gomes, registradas no Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB).

As gravações de interceptações telefônicas foram complementadas com gravações feitas por Daniel Gomes, em conversas com Ricardo Coutinho. E o Ministério Público ainda coletou emails trocados pelos dois tratando da gestão pactuada da Cruz Vermelha e dos repasses financeiros.

A investigação concluiu que um valor aproximado de R$ 20 milhões foi movimentado apenas com o pagamento de adiantamentos de supostas propinas para agentes públicos e políticos, para a gestão do Hospital de Trauma de João Pessoa.

Leia os diálogos:
‘Não deixo os caras respirar’

Daniel: É, acho que o próximo, João no futuro nos quatro anos seguintes é… é… ti… passar o restante que tem pra, pra OS, num, num tem…

Ricardo: É

Daniel: A educação foi uma boa sacada.

Ricardo: É

Daniel: Eu acho que na saúde não tem muito jeito também não. E tentar racionalizar a rede.

Ricardo: É que na verdade eu faço o seguinte, eu não deixo, porque tudo que você faz naturalmente você vai ter reação, né (initenligível)…?

Daniel: Claro.

Ricardo: Então eu não deixo os caras respirar. Porque quando tá eu já boto outra aqui, eu vou botando, vou botando e aí o cara esquece aquela que tava pra poder se contrapor a que tá na frente… (initenligível).

Daniel: (initenligível)

Ricardo: … e vai passando as coisas

Daniel: Não respira né, o cara não respira

Ricardo: É.

Daniel: É verdade.

Ricardo: No caso da, da educação foi isso, eu botei a OS aí agora eu já tô com ensino integral.

R$ 350 mil mensais

O MP não informou quando foi captada a gravação transcrita no processo. Conforme a investigação, após o repasse feito em 2010, a Cruz Vermelha do Brasil acertou em 2012 um repasse mensal de R$ 350 mil que eram entregues à ex-secretária de administração Livânia Farias.

À época, o custo de manutenção do Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa pago pelo governo do estado à CVB era de R$ 6,9 milhões por mês, valor em que a suposta propina já estava incluída. O repasse foi captado em outro áudio, este ambiente gravado por Daniel Gomes da Silva em 30 de setembro de 2015, transcrito no processo mostram Ricardo Coutinho perguntando sobre os valores. Leia a transcrição:

Ricardo: Me diz uma coisa, aquela contribuição tá sendo repassado?

Daniel: Eu tô… se não me falha a memória, com 800 em aberto com Livânia…

Ricardo: Tá em aberto?

Daniel: Em aberto 800, mas ela sabe direitinho… tô com a planilha… eu tô repassando pingado… eu só pedi pra ela segurar um pouquinho …

Ricardo: Tá repassando… ah, é … em qual o mês, o último?

Daniel: O último foi R$ 120 mil em agosto, no início de agosto, eu tenho planilha de tudo isso, se o senhor quiser viu? Eu… eu tenho salvo na minha pendrive… eu tenho salvo também…

Ricardo: Teve nenhuma despesa nossa, né? Não precisa tá… nunca teve acesso…

Daniel: Não, é… O nosso total é 360 por mês…

Ricardo: É…

Daniel: E eu tô em aberto com 800… Na realidade… porque a gente… na realidade governador… teve uma parte … não sei se o senhor lembra, né? Que a gente antecipou da campanha…

Ricardo: É!

Daniel: Que acabou em maio desse ano… então o que teria… de junho, julho, agosto… o campo… mês competência, né? Junho que é pago em julho, julho que é pago em agosto… aí eu … mesmo … mesmo não… ainda tando na competência… aí fui mandando algumas coisinhas, que já tava em João Pessoa, pra não ter que levar isso pra outro local, eu já fiquei adiantando pra ela… o último que teve foi 120… eu posso depois lhe mandar…

Adiantamento

Em outro trecho transcrito presente na decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba, gravada também por Daniel Gomes da Silva em 07/08/2017, Ricardo Coutinho discute um adiantamento de uma propina referente a equipamentos médicos e o repasse da propina referente às gestões do Hospital Metropolitano de Santa Rita e Hospital Geral de Mamanguape. Leia:

Ricardo: Certo, e esse adiantamento você vai me fazer…

Daniel: O adiantamento eu faço pro senhor logo. Aí de repente o se… a gente dando tudo certo aqui governador, a gente também não teve (ininteligível)… se o senhor tiver precisando, mas a gente dá um jeito de antecipar, mas a princípio, eu…minha programação era pra novembro. Pra fazer adiantamento. Já tá lá na minha conta isso já. Agora aqui governador, eu, é custo, eu não estimei nada de, de retorno, não sei se o… como é que o senhor quer fazer aqui, que Mamanguape que a gente até hoje não tem nada, né?

Ricardo: É.

Daniel: No Trauma nosso valor é 380 atualmente, que a gente repassa por mês. Não sei se o senhor queria que fizesse uma regra de três a incluir isso aqui. Que não chegou nem a incluir 100%, porque parte até, eu já tinha até um resíduo aqui de uns 50 e poucos mil que tá sobrando desse valor aqui, eu só arredondei porque sabia que esse número aqui eu já… é um número que eu (interrompido)…

Ricardo: É, chegar a…

Daniel: Acho que pelo menos uns 200 ou 300…

Ricardo: É…

Daniel: Acho que caberia…

Ricardo: (ininteligível)

Daniel: Se o senhor me autorizar eu refaço isso daqui e Ana Cláudia lhe apresentar o número…

Ricardo: Certo, faça isso.

Daniel: Tá?

Ricardo: Faça isso.

Daniel: Botar, botar pelo menos 200, que aí eu acho que, acho que dá. Se eu conseguir colocar um pouquinho mais eu lhe aviso.

Ricardo: Tá.

Daniel: Isso vai ficar em oito e duzentos, oito e duzentos e cinquenta, tá? Aí o custo de nota fiscal eu seguro, não tem problema… tá?

‘Surpreso’

Em nota nas redes sociais, o ex-governador disse ter sido surpreendido com o mandado de prisão e que contribuirá com a Justiça para provar sua inocência. Ele está em viagem de férias e decidiu antecipar sua volta ao Brasil.

(Com informações do G1)